Com o fim do governo George W. Bush, sai de
cena o último dos "questionadores" do aquecimento global. E os países
desenvolvidos já parecem adotar um tom uníssono, no sentido de que a discussão sobre a
mudança climática já atingiu uma segunda fase. Em vez de discutir se isso realmente
está acontecendo, e com que magnitude, o foco das discussões passa a ser - o que vamos
fazer para evitar que a coisa fique realmente muito feia.
Desde o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudança Climática, da
ONU), no ano passado, um novo e inabalável consenso surgiu acerca do aquecimento global:
um aumento de até dois graus Celsius na média das temperaturas em escala mundial deve
acontecer até o fim do século, não importando o que façamos agora para impedi-lo.
Ocorre que o carbono que temos emitido nos últimos 50 anos na atmosfera tende a ficar um
século por lá antes de ser reabsorvido. Então, mesmo que a humanidade interrompa por
inteiro suas emissões agora, ainda pagaremos os efeitos do que estávamos colocando no ar
até ontem - um preço que virá em prestações a serem pagas nos próximos cem anos.
A batalha agora, no que diz respeito à contenção do aquecimento global, se centra em
evitar a chamada "mudança climática perigosa". Os cientistas definem
atualmente essa fronteira num aumento de temperatura global acima de 2 graus Celsius. Para
eles, é o que será preciso para levar a um derretimento inevitável do gelo preso no
solo da Groenlândia. A caminho do mar, essa montanha de água faria subir o nível dos
oceanos em vários metros ao longo dos próximos milhares de anos. Mas em menos tempo que
isso a mudança já seria mais perceptível, a ponto de causar estragos em muitos países.
Um dos mais preocupados, hoje, entre as nações industrializadas é o Reino Unido. Não
por acaso, é um país-ilha, que tem somente o mar como referência para definir suas
fronteiras.
Contenção
Para evitar a tal mudança climática perigosa, será preciso reduzir drasticamente as
emissões de carbono nos próximos 30 anos. E, na verdade, a ciência sugere que essa
redução terá de ser muito aguda nos próximos dez.
Por conta desse fato, a Europa está tentando costurar um acordo continental,
estabelecendo metas para emissões e forçando a mudança da matriz energética - de
fontes sujas, como carvão e petróleo, para fontes limpas, como usinas eólicas, solares
e, gostem ou não os ambientalistas, nucleares.
O acordo europeu estabelece metas de redução de 20% nas emissões de carbono até 2020,
com relação aos níveis de 1990. Para o ano 2050, a meta deve ser mais agressiva, embora
ainda não esteja definida. Há quem fale em 50%, há quem diga 60% e há até os
proponentes dos radicais 80% de cortes.
Mas as propostas encontram resistência mesmo em certos países europeus, como a Polônia,
que depende fortemente de carvão em sua atual matriz energética e talvez não possa se
dar ao luxo, economicamente, de promover uma mudança tão radical.
Com medo de empacar nas negociações, alguns países estão tentando assumir uma postura
de liderança, estabelecendo metas nacionais independentemente do que seus vizinhos
pretendam fazer.
No plano das ações, a nação européia que mais se destaca é a Alemanha. Esforços
intensos estão sendo feitos naquele país para implementar planos ambiciosos de energia
eólica, que agora já servem de modelo para outros países. A essa altura, os alemães
parecem estar à frente dos demais nessa transição para uma nova economia com menos
carbono e mais energia limpa e renovável.
No plano das políticas, França e Reino Unido aparecem com proeminência. Sob a gestão
do presidente Nicolas Sarkozy, o governo francês foi o primeiro a elaborar
"orçamentos de carbono" -- documentos que indicam quanto o país pode emitir,
para cumprir as metas globais de redução de carbono na atmosfera.
Já o Parlamento do Reino Unido, no início desta semana, aprovou a Lei de Mudança
Climática - a primeira legislação nacional voltada para o aquecimento global no mundo
todo. Ela estabelece metas agressivas para redução das emissões (26% até 2020, 80%
até 2050) e cria mudanças significativas na estrutura do governo para garantir que os
objetivos sejam perseguidos com vigor.
Há cerca de três meses, o governo britânico unificou os ministérios da Energia e do
Meio Ambiente num único Ministério da Energia e Mudança Climática. A idéia é
unificar sob um único comandante decisões que poderiam parecer antagônicas em dois
ministérios diferentes: de um lado, satisfazer às necessidades energéticas do país; de
outro, cumprir os objetivos necessários à preservação ambiental. Agora, a mesma pessoa
terá de zelar pelas duas coisas.
Além disso, a Lei de Mudança Climática estabelece a criação de um Comitê de Mudança
Climática, órgão independente que operaria de forma semelhante ao Copom, responsável
por estabelecer as taxas de juros da economia. No caso do aquecimento global, o dito CCC
seria responsável por aconselhar e cobrar o governo no cumprimento das metas
estabelecidas por orçamentos de carbono nacionais, feitos para períodos de cinco anos.
Com suas três maiores economias na busca de uma solução para a mudança climática, a
Europa aparece em posição de destaque na questão. Mas de nada adianta os europeus
fazerem a parte deles, se o mundo inteiro não caminhar junto.
Uma nova esperança
A eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos é vista com grande
expectativa pela comunidade internacional. A expectativa é a de que tenha fim a
relutância americana em debater metas para conter a mudança climática. Nos últimos
oito anos, as delegações americanas que compareceram às reuniões da ONU sobre o
assunto só fizeram por tentar sabotar o Protocolo de Kyoto - primeiro esforço
internacional para lidar com a mudança climática, que estabeleceu metas de reduções
até 2012.
Obama já deu todos os sinais de que os EUA estão de volta ao mesmo barco, mas suas metas
nem de perto se assemelham às européias. O presidente eleito anunciou que os americanos
se comprometerão a reduzir suas emissões até os níveis de 1998 em 2020, para depois
cortar em 80% até 2050. Para o segundo maior emissor de carbono do mundo (perdeu o
primeiro posto recentemente para a China), talvez seja muito pouco, sobretudo na meta de
2020. O resto do mundo, embarcado em Kyoto, trabalha com as referências de 1990, enquanto
os americanos querem emplacar uma referência mais inchada, de oito anos depois.
Mas só o fato de que os EUA falam agora em metas já é um alívio, e os governos
europeus esperam que isso se aprofunde no futuro próximo, deixando de ser apenas palavras
e sinais e passando a ser ações concretas e focadas no alvo.
Só com a lição de casa pelo menos encaminhada, as nações desenvolvidas conseguirão
empurrar uma proposta muito mais impopular: convencer os países em desenvolvimento a
cooperar.
Os pobres também têm de pagar
Brasil, China e Índia são países que, a despeito de seus problemas sociais profundos,
não podem ser negligenciados no que diz respeito às emissões de carbono.
Enquanto o primeiro promove a maior parte de suas emissões pelo desmatamento amazônico,
os outros dois têm economias aceleradas e superpopulações que exigem cada vez mais
recursos energéticos. Não é à toa que, depois de passar uma década com a economia
crescendo a 10% ao ano, a China hoje já é o país que mais emite carbono na atmosfera,
superando até mesmo os americanos.
Claro que, quando contabilizamos as emissões "per capita", o chinês médio
emite muito menos que o americano. Mas o planeta não leva em conta esses números para
ter seu clima transformado. E isso significa que os países pobres também terão de fazer
sua parte, muito embora eles tenham em pouco contribuído para o problema atual e ainda
possuam uma demanda energética imensa para promover seu desenvolvimento.
E ninguém pense que vai receber um afago na cabeça só porque é país em
desenvolvimento.
"De fato, o desflorestamento é um problema sério para o Brasil", diz Joan
Ruddock, vice-ministra da Energia e da Mudança Climática do Reindo Unido. "Mas
ninguém pode pensar que a contribuição do Brasil é só resolver o problema do
desflorestamento. Mais esforços terão de ser feitos para reduzir as emissões, e cada
país terá de lidar com os seus problemas."
Mas nem todos os países em desenvolvimento vão reagir a isso com entusiasmo. Até mesmo
a China - que já trabalha forte em tecnologias para reduzir as emissões - reluta em
debater metas concretas e limites para suas emissões.
Um acordo global para o pós-Kyoto deve sair - ou naufragar - até o final do ano que vem,
em reunião da ONU em Copenhagen, na Dinamarca. Noves fora a diplomacia, cada país
precisa trabalhar internamente suas metas para migrar para a economia
"descarbonizada" do futuro, sob risco de se ver cada vez mais isolado no
cenário internacional.
Embora ninguém fale em embargos econômicos no momento (até para não assustar), está
claro que ferramentas como impostos e taxas começam a surgir no jargão do combate ao
aquecimento global e serão usadas se a necessidade aparecer. Mudar é preciso.
O que já vem por aí
De resto, os países desenvolvidos se preparam para as mudanças inevitáveis que o clima
irá proporcionar nas próximas décadas.
No campo da ciência, os grandes esforços começam a se voltar para análises locais das
mudanças climáticas. O Hadley Centre, escritório de meteorologia do Reino Unido, está
desenvolvendo um trabalho forte no setor, com o intuito de antever onde a infra-estrutura
britânica terá de ser reforçada para proteger o país da mudança climática.
Londres já tem um plano próprio - em desenvolvimento pela prefeitura da capital
britânica - para lidar com as trasnformações do clima e suas conseqüências. Outras
cidades devem fazer o mesmo, em breve.
E esse conhecimento começa a ser exportado para outras nações - inclusive o Brasil.
Numa parceria entre Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Hadley Centre,
pesquisadores brasileiros e britânicos estão desenvolvendo modelos de impactos locais da
mudança climática para o território brasileiro.
Os resultados que advirão dessas pesquisas devem servir de guia para que os formadores de
políticas possam agir no sentido de minimizar os impactos da mudança climática.
É o que resta, depois que tanto tempo foi perdido em cortinas de fumaça e
contra-argumentos aos cientistas que alertavam sobre as mudanças que a ação humana
estava causando em seu próprio planeta. A essa altura do campeonato, o aquecimento global
está aí. Já acontece e veio para ficar. E pode ficar ainda pior, se não agirmos,
globalmente e rápido.
Fonte: Salvador Nogueira / G1
Educação Ambiental www.natureba.com.br