Uso de animais vivos para ensinar divide professores (24/03/08)

O cão Jerry pode ser entubado, receber ressuscitação boca-focinho, tomar injeção e ganhar uma tala. Seu corpo também emite diversos tipos de som, da respiração e do coração, que podem ser ouvidos com a ajuda de um estetoscópio.

Mas esse cachorro não late, não abana o rabo nem sai pulando atrás do dono. Jerry é um manequim usado para substituir animais vivos em salas de aula e em treinamentos para futuros veterinários.

Ele veio ao Brasil na bagagem do inglês Nick Jukes, 41, coordenador da InterNiche (ONG que promove alternativas ao uso de animais na educação).

Até a próxima quinta-feira (10), acontece um encontro em universidades de São Paulo sobre o tema. Nesta segunda-feira (7) e na terça-feira (8), o evento - que já passou pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pela Faculdade de Medicina do ABC - estará na Unicamp (Universidade Estadual Paulista). Nos últimos dois dias, o encontro será na USP (Universidade de São Paulo).

O objetivo é difundir novas formas de ensinar - softwares de laboratório e de dissecção multimídias, simuladores de procedimentos cirúrgicos e manequins-- que possam substituir bichos vivos sem que haja prejuízo ao aprendizado.

O uso de animais em pesquisas científicas não será abordado no encontro.

Tradição

Diferentes tipos de animais, como ratos, camundongos, coelhos e cachorros, são usados em aulas da área de biologia - para vivissecção - e no treinamento de futuros médicos e veterinários em cirurgias.

"As pessoas supõem que é bom aprender com animais vivos porque é a tradição. Mas pesquisas mostram que as alternativas são iguais ou até melhores para ensinar. Com os métodos substitutivos, você pode treinar repetidas vezes e, quando se sentir seguro, já pode praticar na clínica com pacientes reais", diz Nick Jukes.

A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul eliminou em 2007 o uso de animais vivos para treinar estudantes.

Já na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, de acordo com a professora Júlia Matera, são usados apenas cadáveres de animais nas aulas de cirurgia. Entretanto, ela diz que nas aulas de farmacologia e fisiologia ainda se usam bichos vivos.

"Não há um consenso. Tem docente que acha que se o aluno não ver ao vivo e a cores não vai aprender", diz a professora, que implantou o uso de cadáveres há nove anos na cirurgia.

As opiniões também divergem entre os universitários.

Ana Maria Guaraldo, presidente do Comitê de Ética na Experimentação Animal da Unicamp, diz que os alunos da universidade usam língua de boi para treinar sutura e bexiga para fazer o ponto de plástica. 'O uso de cães zerou e houve grande redução no número de roedores', afirma.

Muitos professores, entretanto, acreditam que os métodos alternativos não suprem as necessidades de aprendizado.

O médico David Feder, professor da Faculdade de Medicina do ABC, considera que há limitações e teme que a formação do aluno fique aquém das necessidades da profissão.

"O ganho de experiência numa aula prática é maior porque você tem reações inesperadas e precisa interpretá-las", afirma.

A instituição em que leciona proibiu, no meio do ano passado, o uso de animal vivo nas aulas. A prática é liberada para "pesquisas inéditas, com relevância científica".

"Antes, os estudantes do 2º ano faziam pequenos procedimentos em roedores e, agora, infelizmente, o aluno fica assistindo a um filme com a demonstração", conta.

Outro problema que ele aponta é o alto custo das alternativas. "Um manequim complexo pode custar R$ 350 mil."

Os equipamentos, como o cão Jerry, muitas vezes são importados. Mas há empresas que os distribuem no país.

Fonte: Afra Balazina / Folha de S.Paulo

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